Num incrível golpe de sorte, o satélite caçador de exoplanetas Tess capturou uma cena insólita: um buraco negro deglutindo uma estrela.
Com isso, confirmou o que os astrônomos já desconfiavam: ele é um gentleman, parte a comida antes de engolir. E também a esfria.
Esse processo, chamado tecnicamente de perturbação de maré, é uma ocorrência relativamente rara, que acontece, estima-se, em média uma vez a cada 10 mil a 100 mil anos na Via Láctea.
Claro, como ele produz um sinal luminoso poderoso, pode ser visto mesmo quando acontece em outras galáxias, o que multiplica as chances de observar o fenômeno.
O flagra do Tess aconteceu relativamente longe, numa galáxia a cerca de 375 milhões de anos-luz da Terra, na constelação Volans (Peixe voador), localizada no hemisfério celeste Sul.
É a primeira vez que o satélite flagra algo assim, mas os astrônomos já viram cerca de 40 ocasiões semelhantes.
A expectativa era a de que o Tess, ao longo de sua missão inicial de dois anos, flagrasse uma ou duas dessas ocorrências. O fato de ter acontecido tão cedo foi um golpe de sorte.
O satélite iniciou suas operações científicas em julho de 2018, e a primeira detecção do fenômeno, denominado ASASSN-19bt, aconteceu em janeiro deste ano, pela Pesquisa Automática de Céu Inteiro por Supernovas (se você palpitou que o acrônimo desse nome, em inglês, é ASAS-SN, acertou).
O maior dos prêmios, contudo, foi que o evento cósmico aconteceu bem na área do céu que é monitorada permanentemente pelo Tess.
A maior parte da abóbada celeste é observada pelo satélite por períodos de apenas 27 dias consecutivos.
Mas naquele canto o monitoramento foi praticamente ininterrupto, permitindo pela primeira vez uma coleta tão abrangente do fenômeno, do início ao fim.
Os resultados, que envolveram observações com diversos telescópios em solo e no espaço, além dos preciosos dados do Tess, foram reunidos pela equipe de Thomas Holoien, dos Observatórios Carnegie, na Califórnia, em artigo publicado no The Astrophysical Journal.
Graças à cobertura temporal dos dados do Tess, foi possível confirmar que se tratava mesmo de uma perturbação de maré, que é basicamente o efeito da gravidade nas imediações do buraco negro que varia de intensidade de forma significativa dentro da própria estrela, entre as partes mais próximas e mais distantes do buraco negro, causando seu despedaçamento.
(O Sol faz isso rotineiramente com cometas que passam perto demais dele, mas aí é muito mais fácil, já que a gravidade dos próprios cometas é fraquinha demais para mantê-los íntegros.)
Os dados também permitiram notar que há um esfriamento da estrela durante o processo de despedaçamento, de 40 mil para 20 mil graus Celsius, em questão de dias.
É a primeira vez que se observa esse processo, embora ele já fosse predito por alguns modelos teóricos do fenômeno.
Aparentemente, o episódio envolveu um buraco negro supermassivo com cerca de 6 milhões de vezes a massa do Sol, engolindo uma estrela similar à nossa.
Por que ilustrações?
As imagens do buraco negro supermassivo, apresentadas pelos pesquisadores, são ilustrações. Isso acontece porque o registro que é feito pelos cientistas não é fotográfico.
Os equipamentos de observação astronômica capturam dados, como as frequências de ondas, que são posteriormente traduzidos a modelos gráficos
A distância até o buraco negro (ou outra coisa fora do Sistema Solar) é tão grande, que qualquer objeto fica minúsculo, reduzido a apenas um ponto de luz. E no caso do buraco negro, nem isso, já que ele não emite luz.
“Nesses eventos em que o buraco negro engole matéria, o disco de que se forma em volta dele vira um pontinho de luz por causa da distância”, ressaltou o astrofísico.
Capturar a imagem de um buraco negro é um desafio dentro da comunidade científica. A primeira delas foi feita apenas neste ano, em 10 de abril. O feito foi considerado um marco na física.
O buraco negro da foto está no centro da galáxia M87, a cerca de 50 milhões de anos-luz da Terra. Ele tem 40 bilhões de quilômetros de diâmetro – cerca de 3 milhões de vezes o tamanho de nosso planeta – e é descrito pelos cientistas como um “monstro”.