Para quem acha que o Sistema Solar não guarda mais surpresas, aí vai uma bomba: Netuno tem uma lua que é uma lasca de outra lua. Como diria Zagallo: “Aí sim, fomos surpreendidos novamente!”. O caso é o seguinte:
Em 1989, a icônica sonda Voyager 2 visitou de passagem os planetas do Sistema Solar exterior aproveitando um raro alinhamento dos planetas. De uma só tacada conseguiu visitar Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
As imagens que chegaram eram tão impressionantes e os resultados científicos tão extraordinários que a Nasa mandou sondas para orbitar Júpiter e Saturno para estudá-los em detalhes, por fora e por dentro.
Até mesmo sondas que só dão uma passadinha rápida por esses planetas para pegar embalo a caminho de outros astros acabam fazendo imagens e obtendo dados, como foi o caso da New Horizons quando estava a caminho de Plutão.
Mas Urano e Netuno ficaram esquecidos.
Até Plutão ganhou sua missão. Quem quiser estudar esses dois planetas, precisa fazer da daqui da Terra mesmo ou, na melhor das hipóteses, usar o Hubble como fez uma equipe de astrônomos em 2013.
Nessa época, Mark Showalter encontrou um ponto suspeito nessas imagens e resolveu investigar um pouco mais. Desarquivando imagens de Netuno obtidas com o mesmo Hubble entre 2004 e 2009, ele percebeu que esse pontinho também estava lá.
O pontinho suspeito se localiza a mais de 10 mil km do topo das nuvens de Netuno e com o auxílio das mais de 150 imagens, Showalter conseguiu traçar uma órbita circular para o objeto. Com isso, Netuno ganhou mais uma lua, chegando a 14.
O mais estranho disso tudo é que essa pequena lua, ela deve ter algo como 35 km, está numa órbita onde não deveria haver nada.
A lua foi batizada de Hipocampo, uma criatura mitológica com cabeça de cavalo e cauda de peixe. Esse nome também batiza um gênero de peixes mais conhecidos como cavalos-marinhos.
Desde que foi “descoberto” em 2013, Hipocampo tem desafiado os modelos de criação e evolução do sistema de satélites de Netuno. Nenhuma hipótese plausível conseguia sobreviver às simulações numéricas, mas parece que isso acabou.
Showalter e colegas estão propondo o seguinte cenário.
No comecinho do Sistema Solar, ainda enquanto havia material para formar satélites ao seu redor, Netuno capturou Tritão do Cinturão de Kuiper.
Tritão é a maior lua de Netuno, com 2,7 mil km de diâmetro, o que o faz maior do que Plutão. Aliás, assim que as primeiras imagens de Plutão chegaram, o comentário geral era de que ambos eram muito parecidos, o que nos leva a pensar que os dois tiveram uma origem muito parecida no Cinturão de Kuiper.
Grande desse jeito, Tritão desestabilizou o sistema primordial de satélites de Netuno e conforme Tritão foi se ajeitando em uma órbita circular, os pedaços de rocha e gelo que ainda orbitavam Netuno foram se chocando para formar uma segunda geração de satélites.
Dessa segunda geração brotaram Nereida e Proteu, os maiores satélites depois de Tritão com 340 e 420 km respectivamente.
Mas por essa época, a quantidade de asteroides e cometas que vagavam pelo Sistema Solar era enorme e colisões catastróficas ocorriam aos montes.
Numa dessas, de acordo com Showalter e seus colaboradores, um pedaço de Proteu foi arrancado e se tornou Hipocampo, dando origem a uma terceira geração de satélites.
De fato, Hipocampo tem uma forma muito alongada, se parecendo muito com uma lasca de rocha. Com os passar dos bilhões de anos, Proteu foi migrando para a sua atual órbita, mas Hipocampo teria ficado no seu lugar.
Essa é uma teoria fascinante que conta uma história atribulada para o passado do sistema de Netuno.
A entrada de Tritão (que foi descoberto por um cervejeiro, diga-se) mudou todo o panorama e alterou a evolução dos outros satélites e mostra que nenhuma teoria simples vai dar conta de descrever como o Sistema Solar deve ter se formado e, principalmente, evoluído! [Globo]