2019 marcou os 20 anos de lançamento do primeiro filme da franquia Matrix, dirigida pelas irmãs Wachowski.
A ficção científica cyberpunk, lançada no dia 21 de maio de 1999, foi um sucesso de bilheteria com sua visão futurista distópica, senso de moda distinto e sequências de ação inovadoras e sofisticadas.
O filme conta a história de um hacker de computador, Neo (interpretado por Keanu Reeves), que descobre que toda sua vida foi vivida dentro de uma elaborada realidade simulada.
Esse mundo dos sonhos foi projetado por inteligência artificial com objetivo de distrair os humanos em uma realidade paralela relativamente agradável. É a chamada “matrix”.
Para o professor e diretor da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Australiana, Richard Colledge, o filme serviu como estímulo para discussão de temas filosóficos importantes.
Ele recorda o experimento sugerido por Platão, no qual imaginamos a condição humana como um grupo de prisioneiros que viveram suas vidas no subterrâneo e algemados, de modo que a realidade é limitada a sombras projetadas na caverna.
Platão sugere que um prisioneiro libertado ficaria surpreso ao descobrir a verdade sobre a realidade e atordoado pelo brilho do sol.
Se voltasse ao subterrâneo, os companheiros não entenderiam o que ele experimentou e o achariam louco. Para Colledge, deixar o cativeiro da ignorância é difícil.
Em Matrix, Neo é libertado pelo líder rebelde Morpheus (nome do deus do sono) ao ser acordado para a vida real. Ao contrário do prisioneiro de Platão, o mundo que aguarda Neo é ao mesmo tempo desolador e aterrorizante.
O filme ainda apresenta conexão com questões filosóficas mais recentes, como as levantadas pelo francês René Descartes, do século 17, que notou a dificuldade de termos certeza que a experiência humana não é o resultado de um sonho ou de um engano sistemático malévolo.
Então, finalmente, o que é a realidade?
O pensador francês do final do século 20 Jean Baudrillard, cujo livro aparece brevemente no início do filme, escreveu sobre imitações sofisticadas da realidade que se tornam tão realistas que são confundidas com a própria realidade (como confundir o mapa com a paisagem ou o retrato pela pessoa).
Não há necessidade de uma conspiração de inteligência artificial para isso.É só tomar como exemplo os reality shows e a curadoria de identidades nas redes sociais.
De acordo com Colledge, o filme parece alcançar, em alguns aspectos, uma visão próxima à do filósofo alemão Immanuel Kant, que insistiu que a realidade está em conformidade com nossa percepção e que nós experimentamos o mundo pelo espectro parcial de nossos sentidos.
A última análise do professor gira em torno da trilogia Matrix defender que indivíduos livres podem mudar o futuro, dilema que se desdobra na cena das pílulas vermelha e azul oferecidas por Morpheus.
Neo deve escolher entre permanecer na realidade (pílula vermelha) ou retornar ao simulacro da matrix (pílula azul).
Dilema semelhante foi proposto em 1974 pelo filósofo norte-americano Robert Nozick.
Se oferecida uma “máquina de experiência” capaz de realizar experiências que desejamos, de maneira indistinguível das reais, a preferência seria a realidade verdadeira? Ou podemos nos sentir livres para viver dentro de uma ilusão confortável?
Em Matrix, os rebeldes rejeitam o conforto da matrix, preferindo a sombria realidade.
Mas também vemos o traidor rebelde Cypher (interpretado por Joe Pantoliano) buscar desesperadamente a reinserção na agradável realidade simulada.
“Ignorância é felicidade”, afirma ele. O principal vilão do filme, o agente Smith (Hugo Weaving), observa que a sociedade ocidental consome insaciavelmente recursos naturais. A matrix, ele sugere, é uma cura para esse contágio humano.
Colledge pontua que ouvimos muito sobre os potenciais perigos da inteligência artificial, mas talvez haja uma verdade na acusação do agente Smith.
Ao intensificar essa tensão, Matrix ainda atinge um ponto sensível – especialmente depois de mais 20 anos de consumo insaciável.
Texto traduzido e condensando de The Conversation.
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